Sobre apego, cativar e deixar-se cativar. Sobre a valorização da vida em todas as suas expressões.
No dia 30 de novembro do ano passado estava com as crianças quando encontramos, no estacionamento do prédio onde moramos, uma canarinha.
Estávamos voltando do judo, quando avistamos um passarinho amarelinho no meio das andorinhas, visitantes comuns do prédio. Para não assustar o bando e perdermos a visão daquele raiozinho de sol, nos aproximamos devagar. Mas crianças são impulsivas, antes que eu dissesse “devagar, ou eles vão embora...” elas já estavam bem perto. Nós ficamos surpresos quando o canarinho não voou, ficou parado e à medida que nos aproximávamos tentava escapar saltitando ou dando vôos bem rasteiros, concluí que deveria ser o passarinho de alguém próximo, um avezinha de gaiola. Enquanto tentávamos pegá-la perguntamos a alguns moradores se alguém comentou a falta de um bichinho desses. Pensávamos que se ficasse à solta um gato poderia encontrá-la, também havia o perigo dos carros. Conseguimos segurá-la. Em casa, acomodei-a numa caixa, as crianças cuidaram de colocar água e pedacinhos de pão, pelo jeito estava muito cansadinha, pois dormiu bastante. No dia seguinte compramos uma gaiola, bebedouro, banheira e comedouro. As crianças estavam numa felicidade enorme, há tempos que queriam um bichinho, eu, por outro lado, estava muito apreensiva, nunca havia criado passarinho. A idéia de criar pássaros nunca me cativou e me angustiava vê-la engaiolada mesmo sabendo que de outra forma ela poderia não resistir. Soubemos que era uma canarinha e demos o nome de Aurora, porque amarelinha parecia um raio de sol e também por a considerarmos uma princesinha cairia bem um nome dos contos de fada. Começamos a pensar em adquirir o príncipe Felipe (o par romântico da princesa Aurora). Aurora se tornou parte da família, as crianças diziam que ela era a irmãzinha deles. E fomos vivendo nosso dia a dia com Aurora. Chamava-a “algodão doce de Barbie” (quando dormia parecia uma bolinha amarelinha) e “passarinha gotosa da perninha grossa”. Estava impressionada como um animalzinho daquele tamanho poderia ter trazido tanta alegria para nossa casa, era mesmo um raio de sol iluminando e alegrando o ambiente e nossos corações. Principalmente devido ao jeito como veio até nós, parecia um presente, já que não saímos para comprá-la. Na verdade eu não conseguiria comprar um passarinho, por mais que muita gente considere “normal”. Pássaros, mesmo os de cativeiro, para mim, precisam de mais espaço para voar, dessa forma, eu vivia um conflito silencioso: enquanto pensava no príncipe Felipe, também pensava em conseguir colocar Aurora na natureza, precisava treiná-la, não sabia se isso seria possível. Gostaria de tentar assim que as crianças voltassem às aulas. Mas enfim, Aurora estava conosco e estávamos gostando que fosse assim. Os dias foram passando e aconteceu que Aurora ficou doente. De um dia para o outro acordou estranha, como se fosse dormir o dia todo. Procurei o local onde comprei a gaiola, falei o sintoma e a pessoa me disse que ela poderia estar prestes a colocar ovo!? Disse para aguardar, mas no dia seguinte procurei um criatório para ter uma idéia melhor. Indicaram um antibiótico. Não consegui comprar o antibiótico, era um colírio para humanos, precisava de receita médica, nesse mesmo dia Aurora deu sinal de melhora, tomou banho, cantou um pouco e assim acreditei que seu organismo estava reagindo. No dia seguinte acordou pior, procurei rapidamente um veterinário para conseguir uma consulta ou uma prescrição para o colírio, não consegui a consulta, mas consegui a prescrição...tarde demais... Aurora se foi. Estávamos no dia 08 de janeiro de 2012. Desabei em um choro desconsolado, as crianças nem se fala... até o maridão estava sensibilizado. E agora? É definitivo. Fomos deixá-la num parque muito arborizado próximo de casa. Aurora estava livre. Espero que ela esteja de volta como um pássaro no meio de uma grande floresta...
Aurora passou 39 dias conosco.
Neste, que foi um dia muito triste, me senti irresponsável, uma criaturinha tão pequena, inofensiva e indefesa que havia sido colocada sob os meus cuidados e eu não consegui dar conta. Não gosto da idéia de culpa, mas nesse caso, negligenciei os cuidados, não fui ao veterinário, logo que a encontramos. Confiei que era simples criar um bichinho tão delicado, pior ainda, quando adoeceu, acreditei que o corpinho dela estava reagindo sozinho, mas não estava. A perda foi lamentável e irreversível. Estranho, mas senti como alguém que perde uma grande oportunidade, como alguém que perde um presente especial. Gostaria de não mistificar, mas acredito que a vivência com Aurora, veio nos ensinar algo, e que só foi aprendido porque ela se foi. Comecei a pensar o que estou negligenciando em minha vida, quais as oportunidades que deixei passar, por desatenção. Estarei sendo irresponsável com algo mais, com outros milagres? Aurora veio como um presente cativou-nos, porque nós nos permitimos ser cativados. Como é forte o apego, tantos animais e pessoas, morrem diariamente, mas como não os conheço, não os cativei e nem fui cativada o sentimento é diferente. Aurora também deixou-nos claro a importância do cuidado, da valorização da vida, a certeza de que é preciso ser responsável com os presentes que aceitamos conscientemente, não dá para realizar tarefas de qualquer jeito. Essa foi a minha lição, acredito que cada um de nós que passamos pela experiência, e apenas nós, aprendemos algo. Entendo que quem estiver lendo nesse momento não tem elementos para sentir da mesma forma. Assim é a vida, algumas experiências podem ser compartilhadas em sua plenitude, outras, apenas podem ser respeitadas porque tocaram àqueles que em suas vivências, boas ou ruins, buscam aprendizado. Aurora estará sempre presente em nós, pois assim como um raio de sol, sem nenhuma pretensão de ser percebida ou importante, iluminou, alegrou e aqueceu as nossas vidas.
Hoje eu gostaria de ser um pouco Aurora, doando e servindo, sem pretensão de ser algo importante e por isso mesmo fazendo uma grande diferença na vida das pessoas que nesse momento cruzam meu destino.